quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Caribe - Parte II: De Grenada a Martinique

No dia 17 de Dezembro finalmente soltamos as amarras e saímos de Port Louis, em Grenada, com destino à Tyrrel Bay em Carriacou onde havíamos combinado de encontrar o Makaio. Foi uma ótima velejada, apenas 32 milhas, um breve aquecimento para o resto da jornada.
 
Passamos a noite em uma ancoragem tranquila, encontramos nossa “família suíça” a bordo do Makaio e daí pra frente seguimos sempre juntos até Martinique. Já havíamos combinado de passar Natal e Ano Novo juntos, onde quer que estivéssemos. O Natal foi em Admiralty Bay, em Bequia (se pronuncia “Bekway”), uma noite agitada, por conta de um vento forte de SE que acabou levantando uma marola muito chata que pegava o barco pelo través. Apesar da “rolagem” inquietante do Blue Wind, nos divertimos muito, a Ani fez o peru de Natal e a galera do Makaio complementou com pratos suíços saborosíssimos! Foi uma noite muito agradável.

 
Mas foram dois dias antes dessa memorável noite de Natal que passamos pela situação mais complicada em nossa volta ao mundo, até esse momento. Era dia 22 de Dezembro de 2014, estávamos em Salt Whistley Bay, na ilha de Mayreau, lá pelas 5 da tarde. A Ani tinha saído com os amigos do Makaio para explorar a ilha e eu fiquei no barco pra trocar o rotor do gerador, que havia quebrado. Havíamos decidido sair daquela ancoragem para uma outra, um pouco mais ao sul, chamada Saline Bay, que era mais protegida para aquela condição de vento. Quando a Ani voltou, levantamos âncora às pressas, e saímos rumo à Saline Bay, que estava apenas a umas 2 milhas de distância, pois queríamos chegar ainda com a luz do dia.

O vento era de popa, soprava forte, uns 20 nós, e a onda nos empurrava pra frente, fazendo o Blue Wind surfar a 8,5 – 9,0 nós de velocidade. Dei uma olhada rápida na carta náutica, vi que tinha um reef na entrada da baía, mas não me dei conta que ele estava muito pra fora e acabei cometendo um grande errol! Coloquei o barco no piloto automático, sem ter feito a navegação de forma apropriada, afinal de contas eram apenas 2 milhas!! Quando vi que a entrada da baía estava próxima, fui pra proa ajudar a Ani a preparar a âncora, que havia subido ao contrário. Foi tudo muito rápido, quando voltei para o timão olhei para minha direita e vi a boia vermelha que deveria estar na minha esquerda! Era a boia que marcava o reef. Tentei ainda parar o barco, guinei com tudo para boreste mas era tarde demais! A onda nos empurrou para cima do reef e o Blue Wind bateu com tudo na pedra. Passou por cima da primeira e encalhou na segunda, e então ficou socando nas pedras com a quilha e com o leme, ao ritmo das ondas, que não davam trégua. Dava a nítida impressão que o barco partiria ao meio! Um grupo de rastafari’s locais nos viu e vieram com 2 barcos oferecer ajuda. Aceitei de imediato mas o líder deles já me deixou claro que eu teria que pagar pelo resgate, nitidamente se aproveitando de uma situação de desespero total. O Makaio, já ancorado, assistia atônito àquela cena, sem pode fazer nada. O dingue deles era muito pequeno e o motor de popa de apenas 2 HP não tinha a menor condição de ajudar em nada. Após uns 10 minutos de muita tensão acabamos sendo rebocados pra fora do reef pelos barcos locais e ancoramos em Saline Bay. Depois de pelo menos uma hora de negociação, finalmente acertamos um preço razoável com os locais pelo resgate e conseguimos nos livrar deles. Mergulhei imediatamente para avaliar as consequências da pancada e suspirei aliviado quando vi que apenas uma parte da quilha estava danificada, na popa, e o leme apenas levemente mordido na base, apesar das fortes pancadas que sofreu. Nesse momento agradeci a Deus por ter me livrado do pior e também por haver decidido fazer um barco, acima de tudo, muito forte!

 Em seguida chegaram Nina, Ken e Karin, nossos amigos do Makaio, com algumas cervejas geladas e foi muito bom vê-los a bordo do Blue Wind! Como sempre, super solidários e tentando me animar a todo custo, pois se deram conta que eu estava muito mal com tudo o que havia passado naqueles intensos momentos de desespero! Assim são os amigos de verdade! Estão com você nos bons momentos, com certeza, mas principalmente nos maus momentos quando você precisa mesmo de um ombro e um abraço forte pra recuperar a energia! O mesmo vale pra Ani, companheira de muitas aventuras e que embarcou comigo nesse sonho, mesmo sabendo das dificuldades que certamente encontraríamos pelo caminho. Obrigado Makaio, obrigado Ani, o apoio de vocês naquele dia nunca mais vai sair das minhas lembranças!!


Passado o susto, ficou talvez a lição mais importante da minha vida de Capitão:

Não importa o tamanho da perna ou mesmo a condição do mar. Longa ou curta, mar calmo ou agitado, planeje sua navegação com extremo cuidado, definindo waypoints seguros, checando e re-checando a previsão de tempo e todos os fatores que possam influenciar sua rota.

Um único erro, um simples vacilo e tudo pode terminar em desastre... O mar não é para amadores! Lição aprendida e assimilada!!

Depois do agitado Natal em Admiralty Bay, rumamos pra Santa Lúcia onde havíamos programado passar o ano novo literalmente “em família”, pois além da família “Blue Wind – Makaio”, viriam passar a virada de ano conosco meu pai e meus dois irmãos, além do meu grande amigo argentino Roberto, sua esposa Elba e os netos Bianca e Benício. O Roberto havia alugado um barco em Santa Lúcia e coincidiu de que estaríamos lá na mesma época. Feliz coincidência!!
Paramos alguns dias em Marigot Bay, onde passamos momentos incríveis com o Makaio e que me ajudaram muito a superar o trauma do reef de Saline Bay. Depois rumamos para Rodney Bay, onde encontramos todo mundo. Passamos a virada na praia, em frente ao hotel que meu pai e meus irmão se hospedaram, uma noite muito especial na companhia de pessoas muito especiais!

No dia 6 de Janeiro programei para tirar o barco da água, na Marina de Rodney Bay, para consertar quilha e leme. Depois tocaríamos pra Martinique, onde finalmente encontraríamos a flotilha do Blue Planet Odyssey e rumaríamos para o Panamá.

Estávamos entre dois corações pois, por um lado começaríamos nossa aventura rumo ao Pacífico porém por outro lado sabíamos que uma dolorosa despedida seria inevitável! O Makaio seguiria seu rumo Caribe acima e o Blue Wind seguiria para Oeste, sempre para Oeste, até chegar de novo ao Brasil!

No próximo post, a despedida! Bons ventos a todos!

domingo, 12 de julho de 2015

Caribe - Parte I: O Blue Wind no pátio de obras

Grenada

Toda nossa jornada de 3 meses no Caribe começou por Grenada, uma das grandes ilhas
caribenhas situada ao sul do arquipélago e que se tornou popular no meio dos cruzeiristas, assim como Trinidad & Tobago, por estar fora do cinturão dos furacões que assolam as ilhas caribenhas entre Maio e Novembro.

O Blue Wind saiu do Brasil meio na marra, tipo "vamos lá galera, tem que sair, o que faltou vamos fazendo pelo caminho"... Dentro desse espírito programei um "upgrade" no barco na Grenada Marine, que fica em uma enseada no sul da ilha, chamada St. Davids. Programei para o barco ficar em seco durante 3 semanas e, nesse tempo, pretendíamos instalar uma targa de inox com suporte para o dingue, dois geradores eólicos (um deles se transformaria no nosso maior pesadelo da viagem), um sistema de internet a bordo chamado Sailor Broadband, uma placa solar e diversas outras "coisinhas" que não puderam ser feitas no Brasil por conta do atropelo da partida.

Chegamos na marina no dia 19 de Novembro de 2014, deixamos o Blue Wind no píer por uma noite, e, no dia seguinte, colocamos o barco em seco para iniciar o trabalho programado.

Uma das coisas mais fantásticas de uma viagem dessas é que você não tem a menor ideia do que vai acontecer em seguida. Nenhum dia é igual ao outro, nada é previsível, tudo é possível. Inclusive conhecer pessoas às quais você se apegará tanto que terá uma tremenda dificuldade para se despedir. Os dias são muito intensos, as emoções estão mais à flor da pele, as "defesas naturais” ficam reduzidas, afinal esses novos amigos tem o mesmo espírito aventureiro que você, gostam e "não gostam" das mesmas coisas, ou seja, de alguma maneira são como sua alma gêmea, o que gera uma energia muito agradável e ao mesmo tempo saudável no ar. De uma forma bem resumida, creio ser essa a melhor explicação que encontrei para justificar tanto apego em tão pouco tempo
Ken, Karin e Nina - Família Suíça trabalhando no Makaio

O Ruy ficou encarregado de acompanhar toda a obra durante as três semanas em que o barco ficaria em seco e eu aluguei um carro e comecei a ir atrás de todas as coisas que precisava comprar, além de dar uma mão no barco, quando não estivesse na cidade comprando coisas.

Uns 10 dias depois chegou a Ani, que veio me encontrar para iniciarmos a fase internacional da viagem. No aeroporto ela conheceu a Karin uma suíça que, casualmente, estava indo para Grenada e, também casualmente, estava indo encontrar uns amigos que a haviam convidado para velejar pelo Caribe, cujo barco estava justamente onde? Sim, mera coincidência ou obra do destino, o Makaio estava na mesma marina que o Blue Wind bem em frente, do outro lado do pátio. Incrível!

Uns dias antes da chegada da Ani procurei um hotel um pouco melhor que o que eu estava dividindo com o Ruy e negociei uma tarifa diferenciada, pois sabia que esse upgrade no Blue Wind seria bem mais demorado do que o planejado. O hotel ficava numa das praias mais bonitas de Grenada mas tinha o inconveniente de ficar bem longe da marina, quase meia hora de carro.

O Makaio, um Halberg-Rassy antigo, muito bem cuidado, de 35 pés também estava com sua tripulação ansiosa por partir e estava refazendo o leme, a pintura de fundo e a pintura geral do barco. O Ken e a Nina, um casal de suíços incrivelmente simpático e agradável, trabalhava dia e noite no Makaio, dormindo no barco em meio à galões de tinta, pincéis, lixas e toda sujeira produzida por esse tipo de obra. Com a chegada da Karin, que a Ani conheceu no aeroporto, começamos a nos encontrar com mais freqncia, saindo algumas vezes para passear juntos mas principalmente no tradicional happy hour do bar da marina, quase todos finais de tarde.

Uma aventura dessas sempre nos reserva muitas surpresas. Na mesma marina chegou um belo dia a maior lenda viva da história das regatas mundiais, Sir ROBIN KNOX-JOHNSTON, vencedor e único participante a completar a primeira regata de volta ao mundo em solitário, sem escalas, em 1968. Aos 75 anos ele acabara de completar a Regata Transatlântica Route du Rhum, entre Saint-Malo, na França e Guadaloupe, no Caribe, chegando em 3º lugar com seu incrível Open 60. Além de um dos maiores navegadores de todos os tempos, ele é a simpatia em pessoa. Ficou muito amigo do Ruy, que acabou nos apresentando, e terminamos tomando várias cervejas juntos (sim, nossos heróis também tomam cerveja!! e muitas!!) e escutando as memoráveis histórias desse incrível homem do mar. Até parece que éramos amigos de longa data!

A Nina e o Ken moraram no Brasil por alguns meses e portanto falavam um português bem razoável. A Karin é poliglota e fala, além do alemão, do francês e do inglês, um excelente espanhol. Entre eles falavam alemão, conosco uma mistura de inglês, português e espanhol. Era muito divertida toda essa confusão idiomática, mas o fato é que nos entendíamos muito bem.

Finalmente no dia 12 de Dezembro o Blue Wind foi pra água. De novo meio na marra pois ainda faltavam muitas coisas, mas nosso tempo tinha se esgotado e o principal estava resolvido. Tínhamos energia eólica, solar e internet de última geração a bordo! Hora de começar a tão esperada exploração do Caribe. Numa época de altíssima temporada teríamos, a partir de então, até o dia 12 de Janeiro para chegar em Martinique. A marina de Le Marin, no sul da ilha, seria o ponto de encontro dos participantes do Blue Planet Odyssey, que estaria partindo para o Panama no dia 18 de Janeiro de 2015.

Nossa amizade com o Makaio estava a pleno vapor, a ponto de já havermos decidido subir o Caribe juntos, até Martinique, onde fatalmente teríamos de nos separar. Mas ninguém pensava nisso... Nos encontrávamos todos os dias, parávamos nos mesmos lugares, fazíamos jantares, café da manhã, almoço, ora no Blue Wind, ora no Makaio, programávamos passeios, trilhas e escaladas num ritmo frenético, não havia um dia de descanso sequer.

No dia 13 de Dezembro o Ruy voltou para o Brasil, para passar as festas com os filhos, organizar suas coisas e descansar um pouco, afinal já vínhamos em um ritmo de trabalho intenso no Blue Wind desde quando ele foi pra água no Guarujá, no inicio de Julho de 2014. Ele voltaria somente no dia 06 de Janeiro, para Santa Lúcia, onde nos encontraria de novo para seguirmos viagem para o Panamá.

No dia 17 de Dezembro, finalmente soltamos as amarras de Grenada e saímos de Port Louis com destino à Tyrrel Bay, em Carriacou, onde começa mais um capítulo da Volta ao Mundo no Blue Wind.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Fortaleza – Tobago Cays


É incrível como uma viagem dessas, além da aventura em si, nos proporciona uma série de aprendizados, muitas vezes de coisas básicas, que sempre tivemos em mente como “óbvias” mas no entanto não eram tão ‘obvias assim. Vou dedicar vários parágrafos, nessa e nas narrativas futuras, para destacar essas “lições”, coisas que pensava saber mas não tinha a menor ideia de que não sabia. Espero que sejam úteis para vocês também!

Saindo de Fortaleza
Dia 01
Distância percorrida: 180 milhas
Velocidade média: 7,50 nós
No dia 08 de Novembro de 2014 as cinco e meia da tarde começou de fato a etapa internacional da volta ao mundo. Éramos três pessoas a bordo: Eu o Ruy, até agora presente em quase todas as pernas, e o Osvaldo Hoffmann, grande amigo e navegador de Curitiba. O destino inicial era a ilha de Grenada, no sul do Caribe, onde já estava programado um "upgrade" no Blue Wind. Curiosamente havia pouco vento naquele final de tarde, então motoramos por umas duas horas até que entrou um vento que nos possibilitou colocar o balão.
Tripula
Por volta das onze e meia da noite o vento aumentou muito e tivemos dificuldade para baixar o balão. O cabo do enrolador caiu na água e foi difícil trazer de volta, uma vez que o Blue Wind desenvolvia uma velocidade de 9-10 nós e também pelo tamanho da onda. Não consegui segurar o barco, perdi o leme e o barco atravessou! Só consegui arribar depois que o vento diminuiu e o piloto automático conseguiu, literalmente, “segurar a onda”. Conseguimos finalmente enrolar o balão e como o vento continuava forte (22-25 nós) seguimos apenas com a vela grande.
Primeira lição: Balão à noite? Pra que? Ninguém aqui está correndo regata e nem vai “tirar o pai da forca”, então para que assumir riscos desnecessários?

      
Primeiros velejos de kite no Preá
Na semana anterior aproveitamos para conhecer Jericoacoara, um antigo desejo o qual não havíamos ainda realizado por pura falta de oportunidade. Fiz um curso intensivo de Kitesurf, no Rancho do Peixe, que me rendeu vários “caldos”, mas finalmente, depois de alguns dias, saí velejando de kite. Agora só falta comprar o equipamento e começar a treinar. Como tudo na vida, a segurança só vem com as “horas de vôo”. 

A Ani também se pilhou para fazer o curso, no entanto quando ia começar as primeiras aulas na prancha, torceu o tornozelo saindo do mar e, naquele momento, acabou o cursinho dela. Mas quem não tem cão caça com gato! No dia seguinte ela achou uma escola de surf e aproveitou para fazer umas aulas em Jeri. Nada mau pra quem quase não podia caminhar no dia anterior!

    
Passeio de Buggy em Jericoacoara


Por conta da semana anterior, lá pelas nove e meia da manhã, resolvi dar um “jaibe” para a praia quando estava a umas 12 milhas de Jericoacoara, pra ver se via a galera do kite velejando por lá, Mas como foi ficando raso rapidamente, resolvi dar outro jaibe voltando para a rota original. Nada de correr riscos desnecessários, lembram da Primeira Lição?




Lá pela uma e meia o vento aumentou para 26 nós e a onda cresceu para uns dois metros. O barco aumentou a média para 8-9 nós com picos de dez nas rajadas. 
Mantivemos a vela grande, sem rizar.

    Dia 02
    Distância percorrida: 187 milhas
    Velocidade média: 7,80 nós
Nessa noite aconteceu algo inédito, pelo menos para mim. No meio da madrugada escutei uns barulhos estranhos e saí para o cockpit para ver o que estava acontecendo. Vejam só, estava chovendo... Chovendo peixes!! Sim, dezenas, de peixes pulando para dentro do barco, talvez atraídos pelas luzes, não sei bem, mas o fato é que havia peixe voador pra todo lado. Na proa, no cockpit, debaixo dos cabos, nos trilhos de genoa e até dentro do barco, embaixo da escada de acesso ao cockpit. Incrível! Deu uma trabalheira enorme tirar todos eles do barco.
O vento vinha caindo constantemente pela proximidade da Zona de Convergência Intertropical, mais conhecida como “Doldrums”, uma zona normalmente de muita calmaria que se estende por umas 400 a 500 milhas próximo da Linha do Equador.

Reserva técnica de diesel
Uma viagem dessas se caracteriza por muita rotina. Checar a navegação, cozinhar, se alimentar regularmente, verificar constantemente se há algum perigo iminente pela frente, como barcos de pesca, redes, navios, entre muitas outras tarefas como pescar, checar regulagem de velas, etc.. Para que a viagem seja segura é necessário sempre haver alguém acordado, alerta, checando visualmente se há algum perigo pela frente ou se o barco não saiu do rumo. Para que todos possam descansar implantamos um sistema de turnos, com horários fixos para cada um, igualmente distribuídos nas 24 horas do dia, de maneira que cada um “trabalha 2 horas e 40 minutos e descansa 5 horas e vinte minutos. Funcionou muito bem, pois não é muito tempo para ficar de guarda e o tempo de descanso é bem generoso. Funcionava assim:

19:00 as 21:40         Osvaldo
21:40 as 00:20         James
00:20 as 03:00         Ruy

03:00 as 05:40         Osvaldo
05:40 as 08:20         James
08:20 as 11:00         Ruy

11:00 as 13:40         Osvaldo
13:40 as 16:20         James
16:20 as 19:00         Ruy

    Dia 03
    Distância percorrida: 193 milhas
    Velocidade média: 8,04 nós
À noite nos demos o luxo de fazer um churrasco com arroz e feijão. Detalhe: velejando com o balão em cima à 8 nós, vento de 10-12 nós e o mar parecendo uma piscina, comendo na mesa do cockpit. Mais tarde um velejo memorável, a lua nascendo, o mar prateado velejando de balão a 9-10 nós, com ventos de 12-14 nós.
Parece que não aprendemos muito com a Primeira Lição...


Cruzando a Linha do Equador
Abrimos um vinho para celebrar esse momento mágico.
Cruzamos a linha do equador exatamente às 00:02h de terça-feira dia 11/11/14. Passamos velejando a uma velocidade de 8,3 nós com 12,5 nós de vento e, pra completar o cenário, com a lua cheia!

Às 6 da manhã, um pouco depois do início do meu turno resolvi dar uma checada na linha. Vejam só, um dourado de uns 4Kg. Almoço e janta garantidos pelos próximos dias! Comemos assado com batatas ao murro no forno. Delicioso!
Baixamos o balão para checar a adriça, que estava muito comprometida.   O Ruy teve que refazer o reforço para que pudéssemos continuar velejando.

    Dia 04
    Distância percorrida: 215 milhas
    Velocidade média: 9,00 nós
Média histórica, 215 milhas em 24 horas, uma velocidade média de 9 nós, incrível. Acho que nunca conseguiremos repetir isso!


Registro do recorde de singradura em 24 horas
    Dia 05
    Distância percorrida: 208,5 milhas
    Velocidade média: 8,70 nós
Às 13:00h passamos pelo Cabo Orange e entramos em águas internacionais. O Cabo Orange é o lado brasileiro do famoso Rio Oiapoque, divisa do Brasil com a Guiana Francesa. São exatas 931 milhas de Fortaleza até Cabo Orange. Impressionante como é grande o Brasil.

    Dia 06
    Distância percorrida: 190 milhas 
    Velocidade média: 7,90 nós
De manhã cedo, logo no início do meu turno (5:40 às 08:20) coloquei a linha na água e logo veio o primeiro peixe, um atum de mais ou menos um kg. Como era pequeno, joguei a linha de novo e uma meia hora mais tarde, outro atum, do mesmo tamanho. Pronto, recolhi a linha pois já estava resolvido o almoço.
O vento caiu bastante, a correnteza virou, quase 1 nó contra, e o barco começou a perder muita velocidade. Às 12:50hr baixamos o balão e começamos a motorar, pela primeira vez em toda a viagem, após haver percorrido 1.130 milhas.

Por do sol em alto mar

    Dias 07 e 08 
    Distância percorrida: 379 milhas
    Velocidade média: 7,90 nós
Se existe algo chato quando se navega são os “Pirajás”.
São formações de nuvens, normalmente associadas a muita chuva e vento forte e que duram apenas alguns minutos, mas são suficientes para transformar a viagem em um pesadelo se você não é capaz de perceber com antecedência a chegada deles e preparar o barco para sua breve passagem.
O Caribe em Novembro é extremamente rico em “Pirajás”, especialmente à noite quando a única forma de antecipar-se à eles é monitorar o radar constantemente, pois, felizmente, eles são detectáveis por essa maravilha da tecnologia moderna.
Mais adiante eu me daria conta que esses fenômenos da natureza selvagem são muito comuns no Caribe também em Dezembro e Janeiro pois todo o tempo que estive por lá tive que aprender a conviver com eles.

Pirajá
Pirajá



    






    
    Dia 09
    Distância percorrida: 190 milhas
    Velocidade média: 7,90 nós
No dia anterior, à noite, nosso rumo ainda era Grenada. Eu havia planejado chegar na Grenada Marine para subir o barco no dia 19 de Novembro. Eu pretendia instalar uma targa para o bote inflável, dois geradores eólicos, uma placa solar e um sistema de internet a bordo via satélite conhecido como Fleetbroad Band, que permite baixar e-mails e previsões de tempo diariamente, essencial para o projeto de dar a volta ao mundo de barco. Como estávamos chegando com dois dias de antecedência, o Osvaldo me convenceu a tocar direto pra Tobago Cays e aproveitar esses dois dias para descansar um pouco da longa viagem que estava por terminar. Dito e feito! Mudamos o rumo na mesma hora.

Blue Wind no meio do Horse Reef
No dia seguinte, exatamente ao meio dia e vinte chegamos em Tobago Cays!
Passamos o dia descansando, mergulhando com tartarugas sabendo que, finalmente, teríamos uma noite tranquila com o barco amarrado em uma poita no Parque Nacional de Tobago Cays.
Noite tranquila? Até parece... No meio da noite entrou um Pirajá fortíssimo, com ventos de 45 nós que nos fez pular da cama como gatos. Ventava tanto que a chuva vinha na horizontal!! Mas o barco e poita resistiram bravamente...
Até as 6 da manhã quando escutei um barulho diferente, parecia um cabo se rompendo... Coloquei a cabeça pra fora da gaiuta e percebi que o barco estava à deriva! Saí correndo pela gaiuta mesmo e corri para o cockpit. Felizmente cheguei a tempo de ligar o motor e levar o barco de volta à poita antes de chegar nas pedras do outro lado da baía!! Ufa, que sufoco...

Ocorre que o olhal da poita, onde se amarram os cabos, estava com uma bolha de ferrugem. Com o vento forte que soprou a noite toda os cabos ficaram roçando nessa bolha e, com o atrito constante, os dois cabos acabaram rompendo. Que perigo!

Segunda lição: Nunca confie em uma poita que não foi inspecionada cuidadosamente por você mesmo. Não fosse o hábito que tenho de dormir no barco com um olho fechado e outro aberto, nossa primeira noite no Caribe poderia ter se transformado em um enorme pesadelo!

Bons Ventos e até o próximo post!!

domingo, 23 de novembro de 2014

Oitava Perna: Noronha -> Fortaleza


Após quase uma semana de descanso em Noronha, depois da atribulada REFENO deste ano (ver post anterior), no Sábado dia 04 de Outubro às 7 e meia da noite saímos de Fernando de Noronha rumo a Fortaleza.

Nem sempre a vida no mar é um "mar de rosas", principalmente no que diz respeito à burocracia da Capitania dos Portos para emitir um despacho (documento de entrada e/ou saída de um porto, obrigatório para embarcações que entram ou saem do país por qualquer porto brasileiro).
Pera aí… e o que temos que ver com isso, se não estamos nem entrando nem saindo do país e somos um barco brasileiro, com tripulação brasileira? Ocorre que Noronha, por ser uma ilha oceânica, não se insere na mesma categoria dos outros portos. Quem chega ou sai de Noronha necessariamente estará navegando em mar aberto, precisando para tal cumprir com uma série de exigências feitas pela Marinha em prol da segurança da tripulação. A habilitação exigida é de Capitão Amador e entre os equipamentos obrigatórios estão a balsa salva-vidas e o EPIRB, um emissor de sinais via satélite que pode ser disparado (ou dispara automaticamente em caso de contato com a água) e envia a localização exata do barco para as autoridades responsáveis pelo resgate, em caso de emergência. Como estamos com tudo em dia, não tivemos dificuldade de obter o despacho. Fui atendido pelo Sgt Eugênio que prontamente me concedeu o despacho de saída da ilha.

A tripulação dessa vez estava composta por mim, pela Ani e pelo Ruy. Saímos de Noronha ao anoitecer do dia 04, calculando chegar no Atol das Rocas no dia seguinte pela manhã, pois ainda tínhamos esperanças de poder fazer uma "parada técnica" e, quem sabe, poder desembarcar e conhecer aquele magnífico santuário. Infelizmente não foi possível desembarcar, mas ao menos conseguimos permissão para fundear e passar algumas horas por lá, quando aproveitamos para fazer um churrasco, descansar um pouco e também consertar o desalinizador que não estava produzindo água desde à noite anterior.

O vento estava muito forte e a ancoragem na barreta de NW estava muito desconfortável. A âncora ficou presa em uma pedra e tive que mergulhar para soltá-la. Estávamos com uns 8-9 metros de profundidade, o que tornou a operação bem difícil. Voltei para a superfície no limite de meus pulmões, felizmente com a missão cumprida pois se precisasse descer de novo acho que não teria mais fôlego para isso.

Rumamos então para Fortaleza, nosso último porto brasileiro antes de iniciar nossa jornada em águas internacionais. A viagem foi ótima, apesar de o mar estar bem agitado na maior parte do tempo. Apenas nas últimas 24 horas tivemos um descanso pois o mar acalmou e tivemos uma navegação em popa rasa fantástica, apenas com a vela grande em cima e ventos de 22-25 nós, empurrando o Blue Wind a invejáveis 10 nós de velocidade. A Ani não mareou em nenhum momento, mesmo tendo optado por não tomar remédio para enjôo, o que tornou nossa navegação ainda mais prazerosa.

Às 21:40hs do dia 06 de Outubro chegamos à Fortaleza. A maré estava baixa o que dificultou a entrada na marina do hotel Marina Park. Decidimos então ancorar do lado de for a da marina e dormir, ficando a tarefa de atracar o barco para o dia seguinte. Imaginem como foi nossa noite após 52 horas no mar… Literalmente apagamos! No dia seguinte atracamos o barco, fomos muito bem recebidos pelo Armando, gerente da marina, que faz de tudo para que os velejadores que por lá passam se sintam em casa. Dois dias depois fechamos o Blue Wind e voltamos todos para casa, para resolver as últimas pendências em terra antes de iniciar nossa próxima perna, dessa vez bem mais longa, rumo ao Caribe.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Sétima perna: Recife - Noronha


   A semana anterior à REFENO (famosa regata oceânica entre Recife e Fernando de Noronha), que fazia parte de nossa rota rumo ao Caribe, foi muito agitada. Chegamos ao Iate Clube Cabanga, que organiza a regata, no domingo dia 21 de Setembro, seis dias antes da data prevista para a largada. Depois de uma travessia relativamente tranquila (para alguns e nem tanto para outros) entre Maceió e Recife, decidimos comer um merecido churrasco em uma das melhores churrascaria de Recife.


Pré-largada
 Na segunda-feira começou a clássica função da regularização do barco para a regata. Apresentação de certificado de medição, inspeção da marinha, instalação da base de dados do Iridium para poder ter comunicação em alto mar, compra das cartas náuticas faltantes, reunião de comandantes e todas aquelas burocracias necessárias para obter a liberaçāo da Marinha do Brasil para "lançar-se ao mar".

   A Marinha leva tudo isso muito a sério nessa regata pois não se trata apenas de uma navegada próxima à costa mas sim de uma singradura oceânica, onde os competidores enfrentarão condições adversas dia e noite. 

   Dessa vez a Ani estava o tempo todo junto, dormindo no barco, participando de tudo e super entusiasmada com a idéia de participar da regata como tripulante, mesmo depois de ter passado mal na ultima perna, por conta de haver ficado mareada por muitas horas.

Largada
O final da semana e da largada se aproximava e eu acompanhava cuidadosamente a previsão do tempo para não ter nenhuma surpresa desagradável que pudesse  comprometer a motivação e o sucesso da velejada. Era minha intenção nessa perna apagar a "má impressão" que se formou na mente da Ani após o trecho entre Maceió e Recife. Nossa tripulação seria, a princípio, cinco pessoas, mas como a previsão do tempo foi se modificando no decorrer da semana (para pior), decidimos que a Ani não participaria da regata pois sem dúvida a navegação que nos esperava pela frente seria muito dura. Na última hora meu amigo Tonho, de Maceió, parceiraço de várias REFENOS e amigo de muitos anos, me ligou e me avisou que também não poderia ir.

    Acabamos com somente três tripulantes: eu, o Ruy e o Marcel Miranda, outro amigo alagoano, velejador dos bons e também grande parceiro de outras REFENOS.

   Tudo organizado, no sábado de madrugada saímos do Cabanga  para o PIC (Pernambuco Iate Clube) pois devido ao nosso calado precisávamos sair com a maré alta, que acontecia as 5:30 da manhã naquele sábado, caso contrário corríamos um grande risco de ficar encalhados e perder a largada da regata.

Ruy no início da Regata
   À uma da tarde largou nosso grupo, com um vento de través consistente que  nos proporcionou um bom início de regata. Rumamos para a Praia da Boa Viagem onde estava a primeira (e única) bóia da prova. Nos aproximamos rapidamente para montar a bóia e quando chegamos nela… Pasmem, o vento parou!  Putz, bem agora! O leme não respondia, não conseguíamos cambar, o mar agitado e nem uma brisa pra ajudar!
   Resultado: a correnteza nos arrastava para trás, não tínhamos controle sobre o barco e acabamos batendo na marca, que tinha dois fiscais dentro, pois na verdade a bóia era um bote. Um deles, vendo nosso desespero, nos estimulou a seguir em frente, no entanto decidimos pagar um 360° (penalidade prevista na regra nessa situação) invocando o mais nobre espírito esportista que todo competidor deve ter e nos tornando assim os primeiros idiotas da história das REFENOS a pagar um 360 na montagem da única bóia da regata!! Começamos bem!!

   Em seguida, como se tudo não passasse de uma ilusão, o vento voltou a soprar e o Blue Wind começou a velejar com toda elegância que lhe é peculiar, deslizando graciosamente nas águas de Recife e iniciando finalmente sua jornada rumo a Fernando de Noronha.

Eu e Ani na Praia do Leão
   O barco andava bem, nos preocupávamos constantemente com a trimagem das velas e com o rumo, pois ter sucesso nessa regata depende basicamente de dois fatores: andar em linha reta (manter o rumo) e com velocidade (regular as velas constantemente). Mesmo com a tripulação reduzida conseguíamos manter um ótimo ritmo, com o vento aumentando e com o mar engrossando cada vez mais.

   Ao cair a noite o vento já estava na casa dos 25 kn e as ondas chegavam próximas dos 3 metros e meio, deixando a navegada bastante desconfortável. Na madrugada de sábado para domingo já estávamos com todas as velas reduzidas e, mesmo assim, o Blue Wind mantinha um ritmo entre 7,5 e 8,5 kn, muito bom considerando que o barco está muito pesado pela quantidade de equipamentos que carrega. Somente na madrugada de domingo para segunda é que o vento deu uma acalmado nos possibilitando finalmente colocar todos os panos para cima.

Noronha
   Cruzamos a linha de chegada exatamente às 4:55h da manhã, fazendo as 300 milhas entre Recife e Noronha em 39 horas e 55 minutos, excelente se considerarmos as 2 horas que perdemos desde a largada até a desastrosa montagem da bóia da Praia de Boa Viagem, em Recife.

   Fomos o 24° barco a cruzar a linha, entre um total de 70, e o 4° na nossa classe. Tudo parecia estar se encaminhando para um ótimo resultado… Não fosse por erro em nosso certificado de medição…

   Chegar de barco em Fernando de Noronha… Uma sensação única, indescritível! Essa deve ter sido a minha oitava ou nona REFENO, mas sempre é como se fosse a primeira. Essa ilha é mágica, tem uma energia única e mesmo estando exaustos da regata sentimos uma enorme sensação de bem estar quando fundeamos no porto de Noronha, provavelmente  um dos únicos portos do mundo onde você é calorosamente recepcionado pelos golfinhos, essas adoráveis "crianças do mar" que parecem estar sempre de alto astral!

   Saldo da regata: tripulantes de vários barcos passando mal pela condição incomum de mar pesado nessa época e vários abandonos, sendo que um catamarã capotou e afundou. Por sorte toda a tripulação foi resgatada, sem maiores consequências, exceto pelo susto.

   A semana em Noronha foi perfeita, a Ani chegou na segunda-feira de avião e ficamos até sábado na Ilha, aproveitando cada minuto no paraíso.

   Na quarta-feira saiu o resultado da regata. Todos ansiosos, será que ganhamos? Talvez não, mas no mínimo esperávamos subir ao pódio.  Velejamos muito bem, andamos rápido, tínhamos certeza que havíamos exigido tudo do barco… Chegávamos a superar os 10 knt. de velocidade em alguns momentos, literalmente surfando as ondas, que a essa altura já vinham de sudeste, ajudando bastante na performance do barco.

Chegando em Noronha   
 
Vejam só qual não foi nossa surpresa quando vimos o resultado de nossa classe, a RGS A: Blue Wind 1° lugar… Ops, faltou um zero… Na verdade, 10° lugar!! Caracas!! Como pode ser? Fizemos tudo tão certinho… Pois é, mais tarde, quando me refiz do "balde de água fria",  parei para comparar nosso rating com o dos concorrentes, na tentativa de entender o que estava acontecendo, e só então me dei conta do absurdo que é a regra da RGS no Brasil. Barcos similares ao nosso, como por exemplo o Delta 45, que deveriam ter ratings muito parecidos, tinham ratings absurdamente menores a ponto de nosso barco "pagar" mais de 4 horas em uma regata de 40 horas como essa. Começo a entender porque essa regra está cada vez mais sendo abandonada pelos competidores mais sérios que estão migrando para a ORC, uma regra muito mais justa e profissional que a RGS.

Comemorando a chegada!!
   Mas como diz o ditado, o importante é competir! Seja em primeiro, seja em décimo, mais uma perna de nossa aventura foi concluída com êxito. Agora falta apenas um trecho em território brasileiro: Noronha - Fortaleza, mais 360 milhas para chegar ao último porto verde e amarelo.