quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Salvador -> Maceió: Prova de fogo do Blue Wind


   Na segunda-feira dia 01 de Setembro voltei a Salvador após uma semana em Floripa resolvendo coisas de trabalho, da casa e também descansando um pouco da "função" da preparação do barco para a volta ao mundo. Ao chegar no aeroporto ainda tive que passar no setor de cargas da Gol para apanhar nosso radar, que havia pifado no Rio de Janeiro, e teve que voltar a Porto Alegre para ser consertado. No trecho anterior, havíamos navegado quatro dias e quatro noites sem radar, o que nos obrigou a estar muito mais atentos, principalmente à noite, deixando a viagem mais tensa.
   A partida para Maceió estava programada para quinta-feira dia 04 cedinho, aproveitando um vento de Sudeste de 10-12 nós, que, segundo a previsão, se intensificava na sexta-feira, chegando a 20-24 nós, condição perfeita para essa velejada. Um pouco forte no pico de 24 nós, mas como era a favor, pensamos que tudo seria muito tranquilo... Que ingenuidade!! Ainda não imaginávamos o que o destino nos reservara...

Previsão para o dia 04 a meia noite - Partida
   A semana foi bastante corrida. 
   Providenciamos a manutenção periódica do   gerador,   compramos  o  tão   esperado   "kit conforto" do cockpit, uns estofados e almofadas que deixarão nossas madrugadas bem mais confortáveis, entre muitos outros detalhes menores que precisavam ser resolvidos.
   O "stress" da semana ficou por conta de uma promessa não cumprida de um fornecedor, que ficou de nos entregar um equipamento para ser instalado em Salvador, e nos deixou literalmente "a ver navios". Acabamos tendo que sair sem o equipamento pois a janela de tempo que tínhamos programado para esse trecho não nos permitia esperar mais. Quanto mais confio nessa gente mais me decepciono. Se não tivesse acreditado na tal promessa teria dado outro jeito e tudo teria se resolvido.

   
Previsão para as 21h do dia 05 - Metade do caminho
   Na quinta-feira dia 04, após uma cuidadosa análise da última previsão do tempo, decidimos partir às 9 e meia da noite. A hora da partida se aproximava, aquela tensão pré "soltura das amarras" se intensificava e aquele friozinho na barriga começava a se manifestar. Sair à noite sempre gera uma tensão maior, afinal, como diz o ditado, à noite todos os gatos são pardos! 
   Dessa vez nosso radar funcionava, o que amenizava um pouco o nervosismo da partida noturna. Às 7 e meia da noite tomamos um bom banho e saímos para jantar na marina, talvez inconscientemente já prevendo que esta seria nossa última refeição decente nas próximas quarenta e oito horas. Não tínhamos ainda a menor noção do que nos esperava la fora... 
Precisamente na hora marcada, partimos rumo a Maceió!!

Saindo de Salvador
O vento estava exatamente conforme a previsão, Sudeste de 10-12 nós o que aumentou nossa confiança de que a viagem seria muito tranquila... Nosso rumo ao dobrar o Farol da Barra era 125°, bem na proa, no entanto sabíamos que, uma vez passada a Ponta de Itapuã, estaríamos em um rumo perfeito para uma velejada memorável, com ventos pela Alheta de Boreste até Maceió.

Definidos os turnos, fui dar uma descansada enquanto o Ruy assumia a primeira guarda da noite. Tentei dormir um pouco mas não consegui pegar no sono. Por volta de meia noite, quando passávamos pela Ponta de Itapuã, levantei e fui para o cockpit assumir meu posto. Nesse momento o Ruy se jogou pra dentro da cabine de popa e foi descansar. Me acomodei no banco de bombordo, inaugurando o estofado novo, e senti, naquele momento, uma sensação de muita paz e serenidade, que durou aproximadamente... uns 5 minutos!!

O vento passou instantaneamente de 12 para 20 nós, em seguida para 25, o barco começou a adernar e, quando me dei conta, já passava dos 30 nós. A princípio pensei ser um "Pirajá", fenômeno que ocorre muito por esses lados e que se trata de uma nuvem de chuva intensa, associada a ventos muito fortes, porém que duram apenas alguns minutos e em seguida desaparecem. Quando o vento chegou a 35 nós decidi não perder mais tempo e chamei o Ruy para me ajudar a rizar as velas (diminuir a área vélica para o barco sofrer menos) e assim conseguir continuar velejando sem quebrar nada. Até aqui tudo estava relativamente controlado pois apesar do vento forte o mar ainda apresentava boas condições de navegação. Não tardou muito para as ondas começarem a crescer e e o vento continuava na casa dos 30 nós, com rajadas de 35 chegando em alguns momentos a 38 nós. Lá pelas duas da manhã as ondas já estavam entre 4 e 5 metros e a navegação já começava a ficar bem difícil. O barco balançava muito e as ondas começavam a rebentar no costado inundando o cockpit e tornando a convivência naquele ambiente praticamente impossível. Assim foi a noite toda e eu apenas rezava para que o piloto automático aguentasse aquele pancadaria, caso contrário teríamos que assumir o leme e nossa vida se complicaria muito. Manter o rumo e timonear o barco nessas condições seria uma tarefa "hercúlea". Ao amanhecer o vento continuava igual e o mar ia ficando cada vez mais pesado, mas ao menos teríamos luz para enxergar melhor (a essa altura eu quase estava preferindo não ver!!). 

   E assim seguiu a viagem, sem a menor trégua, até chegar a Maceió. O cansaço aumentava cada vez mais pois era muito difícil dormir, devido ao forte balanço do barco, e muito difícil cozinhar, pela mesma razão. Nos alimentávamos à base de café, chocolate e barras de cereais. De vez em quando alguma fruta e muito raramente um sanduíche que dava uma trabalheira medonha para preparar. Apesar disso, o barco se comportava muito bem, o piloto automático aguentava firme e não havia nenhum sinal de que algo mais grave pudesse ocorrer, mesmo enfrentando condições duríssimas como essas.
É curioso como as sensações vão mudando.  Uma situação completamente nova, tanto para nós quanto para o Blue Wind, que no princípio parecia descontrolada, com o tempo se transformava em algo normal, quase uma rotina.    O ser humano se adapta ao ambiente em que vive. A confiança crescia à medida que o barco demonstrava solidez e também à medida que nos dávamos conta que havíamos aprendido a lidar com aquele ambiente hostil. A partir disso, passei a desfrutar da viagem, me imaginando com o barco ancorado em Maceió, protegido e com aquela gostosa sensação da missão cumprida. Essa havia sido, sem dúvida, a perna mais difícil de toda a viagem até agora. As 11 da manhã de sábado, dia 06 de Setembro, chegamos na Federação Alagoana de Vela e Motor, onde tenho muitos amigos e onde tivemos uma calorosa recepção de todos eles. Sempre é muito bom rever os amigos e, melhor ainda, após um momento de superação como esse. Estávamos literalmente de "alma lavada"! E o corpo também, com muito sal, diga-se de passagem!