segunda-feira, 2 de março de 2015

Fortaleza – Tobago Cays


É incrível como uma viagem dessas, além da aventura em si, nos proporciona uma série de aprendizados, muitas vezes de coisas básicas, que sempre tivemos em mente como “óbvias” mas no entanto não eram tão ‘obvias assim. Vou dedicar vários parágrafos, nessa e nas narrativas futuras, para destacar essas “lições”, coisas que pensava saber mas não tinha a menor ideia de que não sabia. Espero que sejam úteis para vocês também!

Saindo de Fortaleza
Dia 01
Distância percorrida: 180 milhas
Velocidade média: 7,50 nós
No dia 08 de Novembro de 2014 as cinco e meia da tarde começou de fato a etapa internacional da volta ao mundo. Éramos três pessoas a bordo: Eu o Ruy, até agora presente em quase todas as pernas, e o Osvaldo Hoffmann, grande amigo e navegador de Curitiba. O destino inicial era a ilha de Grenada, no sul do Caribe, onde já estava programado um "upgrade" no Blue Wind. Curiosamente havia pouco vento naquele final de tarde, então motoramos por umas duas horas até que entrou um vento que nos possibilitou colocar o balão.
Tripula
Por volta das onze e meia da noite o vento aumentou muito e tivemos dificuldade para baixar o balão. O cabo do enrolador caiu na água e foi difícil trazer de volta, uma vez que o Blue Wind desenvolvia uma velocidade de 9-10 nós e também pelo tamanho da onda. Não consegui segurar o barco, perdi o leme e o barco atravessou! Só consegui arribar depois que o vento diminuiu e o piloto automático conseguiu, literalmente, “segurar a onda”. Conseguimos finalmente enrolar o balão e como o vento continuava forte (22-25 nós) seguimos apenas com a vela grande.
Primeira lição: Balão à noite? Pra que? Ninguém aqui está correndo regata e nem vai “tirar o pai da forca”, então para que assumir riscos desnecessários?

      
Primeiros velejos de kite no Preá
Na semana anterior aproveitamos para conhecer Jericoacoara, um antigo desejo o qual não havíamos ainda realizado por pura falta de oportunidade. Fiz um curso intensivo de Kitesurf, no Rancho do Peixe, que me rendeu vários “caldos”, mas finalmente, depois de alguns dias, saí velejando de kite. Agora só falta comprar o equipamento e começar a treinar. Como tudo na vida, a segurança só vem com as “horas de vôo”. 

A Ani também se pilhou para fazer o curso, no entanto quando ia começar as primeiras aulas na prancha, torceu o tornozelo saindo do mar e, naquele momento, acabou o cursinho dela. Mas quem não tem cão caça com gato! No dia seguinte ela achou uma escola de surf e aproveitou para fazer umas aulas em Jeri. Nada mau pra quem quase não podia caminhar no dia anterior!

    
Passeio de Buggy em Jericoacoara


Por conta da semana anterior, lá pelas nove e meia da manhã, resolvi dar um “jaibe” para a praia quando estava a umas 12 milhas de Jericoacoara, pra ver se via a galera do kite velejando por lá, Mas como foi ficando raso rapidamente, resolvi dar outro jaibe voltando para a rota original. Nada de correr riscos desnecessários, lembram da Primeira Lição?




Lá pela uma e meia o vento aumentou para 26 nós e a onda cresceu para uns dois metros. O barco aumentou a média para 8-9 nós com picos de dez nas rajadas. 
Mantivemos a vela grande, sem rizar.

    Dia 02
    Distância percorrida: 187 milhas
    Velocidade média: 7,80 nós
Nessa noite aconteceu algo inédito, pelo menos para mim. No meio da madrugada escutei uns barulhos estranhos e saí para o cockpit para ver o que estava acontecendo. Vejam só, estava chovendo... Chovendo peixes!! Sim, dezenas, de peixes pulando para dentro do barco, talvez atraídos pelas luzes, não sei bem, mas o fato é que havia peixe voador pra todo lado. Na proa, no cockpit, debaixo dos cabos, nos trilhos de genoa e até dentro do barco, embaixo da escada de acesso ao cockpit. Incrível! Deu uma trabalheira enorme tirar todos eles do barco.
O vento vinha caindo constantemente pela proximidade da Zona de Convergência Intertropical, mais conhecida como “Doldrums”, uma zona normalmente de muita calmaria que se estende por umas 400 a 500 milhas próximo da Linha do Equador.

Reserva técnica de diesel
Uma viagem dessas se caracteriza por muita rotina. Checar a navegação, cozinhar, se alimentar regularmente, verificar constantemente se há algum perigo iminente pela frente, como barcos de pesca, redes, navios, entre muitas outras tarefas como pescar, checar regulagem de velas, etc.. Para que a viagem seja segura é necessário sempre haver alguém acordado, alerta, checando visualmente se há algum perigo pela frente ou se o barco não saiu do rumo. Para que todos possam descansar implantamos um sistema de turnos, com horários fixos para cada um, igualmente distribuídos nas 24 horas do dia, de maneira que cada um “trabalha 2 horas e 40 minutos e descansa 5 horas e vinte minutos. Funcionou muito bem, pois não é muito tempo para ficar de guarda e o tempo de descanso é bem generoso. Funcionava assim:

19:00 as 21:40         Osvaldo
21:40 as 00:20         James
00:20 as 03:00         Ruy

03:00 as 05:40         Osvaldo
05:40 as 08:20         James
08:20 as 11:00         Ruy

11:00 as 13:40         Osvaldo
13:40 as 16:20         James
16:20 as 19:00         Ruy

    Dia 03
    Distância percorrida: 193 milhas
    Velocidade média: 8,04 nós
À noite nos demos o luxo de fazer um churrasco com arroz e feijão. Detalhe: velejando com o balão em cima à 8 nós, vento de 10-12 nós e o mar parecendo uma piscina, comendo na mesa do cockpit. Mais tarde um velejo memorável, a lua nascendo, o mar prateado velejando de balão a 9-10 nós, com ventos de 12-14 nós.
Parece que não aprendemos muito com a Primeira Lição...


Cruzando a Linha do Equador
Abrimos um vinho para celebrar esse momento mágico.
Cruzamos a linha do equador exatamente às 00:02h de terça-feira dia 11/11/14. Passamos velejando a uma velocidade de 8,3 nós com 12,5 nós de vento e, pra completar o cenário, com a lua cheia!

Às 6 da manhã, um pouco depois do início do meu turno resolvi dar uma checada na linha. Vejam só, um dourado de uns 4Kg. Almoço e janta garantidos pelos próximos dias! Comemos assado com batatas ao murro no forno. Delicioso!
Baixamos o balão para checar a adriça, que estava muito comprometida.   O Ruy teve que refazer o reforço para que pudéssemos continuar velejando.

    Dia 04
    Distância percorrida: 215 milhas
    Velocidade média: 9,00 nós
Média histórica, 215 milhas em 24 horas, uma velocidade média de 9 nós, incrível. Acho que nunca conseguiremos repetir isso!


Registro do recorde de singradura em 24 horas
    Dia 05
    Distância percorrida: 208,5 milhas
    Velocidade média: 8,70 nós
Às 13:00h passamos pelo Cabo Orange e entramos em águas internacionais. O Cabo Orange é o lado brasileiro do famoso Rio Oiapoque, divisa do Brasil com a Guiana Francesa. São exatas 931 milhas de Fortaleza até Cabo Orange. Impressionante como é grande o Brasil.

    Dia 06
    Distância percorrida: 190 milhas 
    Velocidade média: 7,90 nós
De manhã cedo, logo no início do meu turno (5:40 às 08:20) coloquei a linha na água e logo veio o primeiro peixe, um atum de mais ou menos um kg. Como era pequeno, joguei a linha de novo e uma meia hora mais tarde, outro atum, do mesmo tamanho. Pronto, recolhi a linha pois já estava resolvido o almoço.
O vento caiu bastante, a correnteza virou, quase 1 nó contra, e o barco começou a perder muita velocidade. Às 12:50hr baixamos o balão e começamos a motorar, pela primeira vez em toda a viagem, após haver percorrido 1.130 milhas.

Por do sol em alto mar

    Dias 07 e 08 
    Distância percorrida: 379 milhas
    Velocidade média: 7,90 nós
Se existe algo chato quando se navega são os “Pirajás”.
São formações de nuvens, normalmente associadas a muita chuva e vento forte e que duram apenas alguns minutos, mas são suficientes para transformar a viagem em um pesadelo se você não é capaz de perceber com antecedência a chegada deles e preparar o barco para sua breve passagem.
O Caribe em Novembro é extremamente rico em “Pirajás”, especialmente à noite quando a única forma de antecipar-se à eles é monitorar o radar constantemente, pois, felizmente, eles são detectáveis por essa maravilha da tecnologia moderna.
Mais adiante eu me daria conta que esses fenômenos da natureza selvagem são muito comuns no Caribe também em Dezembro e Janeiro pois todo o tempo que estive por lá tive que aprender a conviver com eles.

Pirajá
Pirajá



    






    
    Dia 09
    Distância percorrida: 190 milhas
    Velocidade média: 7,90 nós
No dia anterior, à noite, nosso rumo ainda era Grenada. Eu havia planejado chegar na Grenada Marine para subir o barco no dia 19 de Novembro. Eu pretendia instalar uma targa para o bote inflável, dois geradores eólicos, uma placa solar e um sistema de internet a bordo via satélite conhecido como Fleetbroad Band, que permite baixar e-mails e previsões de tempo diariamente, essencial para o projeto de dar a volta ao mundo de barco. Como estávamos chegando com dois dias de antecedência, o Osvaldo me convenceu a tocar direto pra Tobago Cays e aproveitar esses dois dias para descansar um pouco da longa viagem que estava por terminar. Dito e feito! Mudamos o rumo na mesma hora.

Blue Wind no meio do Horse Reef
No dia seguinte, exatamente ao meio dia e vinte chegamos em Tobago Cays!
Passamos o dia descansando, mergulhando com tartarugas sabendo que, finalmente, teríamos uma noite tranquila com o barco amarrado em uma poita no Parque Nacional de Tobago Cays.
Noite tranquila? Até parece... No meio da noite entrou um Pirajá fortíssimo, com ventos de 45 nós que nos fez pular da cama como gatos. Ventava tanto que a chuva vinha na horizontal!! Mas o barco e poita resistiram bravamente...
Até as 6 da manhã quando escutei um barulho diferente, parecia um cabo se rompendo... Coloquei a cabeça pra fora da gaiuta e percebi que o barco estava à deriva! Saí correndo pela gaiuta mesmo e corri para o cockpit. Felizmente cheguei a tempo de ligar o motor e levar o barco de volta à poita antes de chegar nas pedras do outro lado da baía!! Ufa, que sufoco...

Ocorre que o olhal da poita, onde se amarram os cabos, estava com uma bolha de ferrugem. Com o vento forte que soprou a noite toda os cabos ficaram roçando nessa bolha e, com o atrito constante, os dois cabos acabaram rompendo. Que perigo!

Segunda lição: Nunca confie em uma poita que não foi inspecionada cuidadosamente por você mesmo. Não fosse o hábito que tenho de dormir no barco com um olho fechado e outro aberto, nossa primeira noite no Caribe poderia ter se transformado em um enorme pesadelo!

Bons Ventos e até o próximo post!!

Um comentário:

  1. Ola James,

    Que bom ouvir notícias suas. Vejo que você está aproveitando muito a travessia. Eu e a Poly estamos torcendo para que tudo ocorra bem com vocês.
    Essa parte da poita foi incrível, sufoco mesmo!! Da próxima vez joga o ferro junto.
    Forte abraço na tripulação.

    Marcel Miranda

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